Existe uma oração muito impactante de autoria de Rui Barbosa, muito conhecida no meio jurídico, a respeito da demora do Poder Judiciário na solução dos litígios a ele levados pelas partes. Leiam com bastante atenção (copiado de http://www.casaruibarbosa.gov.br/scripts/scripts/rui/mostrafrasesrui.idc?CodFrase=1086:)
"[...] justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito escrito das partes, e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade. Os juizes tardinheiros são culpados, que a lassidão comum vai tolerando. Mas sua culpa tresdobra com a terrível agravante de que o lesado não tem meio de reagir contra o delinqüente poderoso, em cujas mãos jaz a sorte do litígio pendente."
Faculdade de Direito de São Paulo
Obras Completas de Rui Barbosa. V. 48, t. 2, 1921. p. ñpb
Descritores:
Justiça Atrasada; Dilação Ilegal; Juiz Vagaroso
Observações: Trecho do discurso de paraninfo "Oração aos Moços". Original no Arquivo da FCRB.
Rui Barbosa deixa claro, no texto, que a demora do Judiciário em solucionar as questões que lhe são encaminhadas não é uma novidade dos tempos modernos. Muito ao contrário, ela sempre foi uma realidade do país, e era o lugar-comum na República que o jurista baiano ajudou a construir, participando ativamente do golpe que derrubou o Império.
Aliás, todos sabem que o processo judicial mais antigo em tramitação no Brasil é, justamente, o que envolve a propriedade do imóvel da Princesa Isabel no bairro das Laranjeiras, cidade do Rio de Janeiro, atualmente utilizado como sede do governo estadual, o conhecido Palácio Laranjeiras (http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2015/02/120-anos-nos-blabirintos-da-justicab.html): desde 1895 que a família imperial postula na Justiça a responsabilização da União pelo desapossamento violento, manu militari, da posse e propriedade do imóvel.
Quem se dispuser a fazer uma pesquisa de campo, na base da mera “conversa de botequim” pelas ruas, perguntando a interlocutores que já tenham buscado o Poder Judiciário qual foi o grau de satisfação quanto à rápida solução do litígio, verá que, em praticamente uns 90% dos casos, a resposta será, sem sombra de dúvidas, pela decepção e pelo descontentamento, diante da morosidade, da demora na prestação da tutela jurisdicional, com a entrega do bem da vida a que se tem direito de obter, no final do processo.
Existem centenas de estudos, centenas de livros, que tratam da questão da demora do Poder Judiciário, das consequências nefastas na vida das pessoas, e do abalo que isso causa até mesmo no Estado de Direito. Para aqueles que quiserem se aprofundar no assunto, não podem deixar de ler um magnífico e estupendo livro, de pouco menos de 200 páginas, chamado “Tempo e Processo”, de autoria de JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI, já esgotado, e disponível apenas em sebos, na qual o autor trata da relação entre a demora na entrega da prestação jurisdicional e a efetividade do processo, abordando, até mesmo, a responsabilização do Estado pelo atraso na solução do litígio, com a indenização pelos prejuízos que possa causar ao postulante, trazendo à lume uma bonita discussão sobre direitos humanos.
A nível legislativo, a preocupação é tão grande que se fez inserir, na Emenda Constitucional n.º 45, de 2004, a conhecida “Reforma do Judiciário”, um inciso ao artigo 5º da Constituição, o que trata dos direitos e garantias fundamentais, assim estabelecido:
“LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”
Recentemente, essa garantia veio a ser replicada no Código de Processo Civil que entrou em vigor em 2015, no seu art. 4º, que dispõe que “as partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral da lide, incluída a atividade satisfativa”.
Não se vai, aqui, perder tempo entrando na discussão acadêmica sobre o tema “duração razoável do processo” e algo parecido, até porque não é objetivo desse espaço, que não se presta a esse tipo de abordagem, que se limita a apenas comentar assuntos do dia-a-dia, que interessam à sociedade, e que chama a atenção de alguma maneira.
O que se quer ressalvar é que, na prática, a situação está longe de ser a idealizada pelos legisladores. Qualquer cidadão que se veja obrigado a procurar a Justiça sempre vai sair reclamando da demora na solução do caso: o homem que quer se divorciar e regulamentar a pensão do filho e a partilha do imóvel que servia de lar; o consumidor que comprou um eletrodoméstico que veio com defeito; o senhorio que não recebe o aluguel do inquilino e deseja retomar o imóvel, o empregado que não recebeu as verbas trabalhistas; o credor que não se viu pago da nota promissória; e por aí vai.
Em uma época tão delicada no país, onde se busca a todo custo moralizar as instituições, já passou da hora de a sociedade cobrar medidas severas dos agentes públicos – inclusive dos representantes no Legislativo – para minorar o prejuízo causado pela demora dos processos.
Infelizmente, na prática, a bonita redação do inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição quanto à duração razoável do processo virou letra morta, pois a grande totalidade dos integrantes do Judiciário não a observam. No final, acabou virando, como muita coisa no Brasil, mais uma daquelas leis que “não colaram” na sociedade.
Já passou da hora de a população perceber que nenhum Poder é maior do que outro, na República, e que todos devem sofrer a mesma fiscalização e cobrança, por parte da sociedade – leia-se: dos pagadores de impostos – no final das contas. Uma justiça que não funciona, ou que funciona de forma tão vagarosa assim, não é própria de uma nação que se diz um Estado Democrático de Direito.
Essa é a verdadeira via-crucis da advocacia, nesses tempos em que nos encontramos. Nossa função, aqui no nosso escritório, é sempre enxergar o "tempo processual" como um inimigo contra o qual temos que lutar incansavelmente, envidando todos os esforços para conseguir uma prestação jurisdicional pontual, dentro do prazo razoável.
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